Sentença da simulação de julgamento


Tribunal Administrativo

I. RELATÓRIO

Os autores,
João Sorridente, detentor do cartão de cidadão (CC) n.º 23457800, e Manuel Sabichão, detentor do cartão de cidadão (CC) n.º 19807765, intentaram, ao abrigo do artigo 12º, nº1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, uma ação administrativa comum na qual requerem a impugnação do concurso extraordinário para guarda florestal.

Contra,
Secretário de Estado da Administração Interna, e Secretário de Estado do Ambiente, detentores do Cartão de Cidadão nº 14928422 e nº 13607456 respetivamente.
O autor requer a nulidade por parte do Tribunal i) Das normas supra-referidas do aviso 3055/2019, com fundamento de inconstitucionalidade por violação do Princípio da Igualdade, ii) Da abertura do concurso extraordinário para a categoria de guarda florestal, com fundamento de ilegalidade pelos vícios supra-referidos, iii) Da decisão de exclusão da candidatura de João Sorridente, iv)  Da decisão de exclusão da candidatura de Manuel Sabichão e v)  Do processo de decisão de atribuição das cinco (5) vagas para a categoria de guarda florestal.

     I.         Fundamentação

i)     De Facto

Factos Provados:
1.     O Secretário de Estado da Administração Interna e o Secretário de Estado do Ambiente, tendo em conta a aproximação da época estival, decidiram abrir um concurso extraordinário para o ingresso de mais 5 vagas na carreira de guarda florestal.
2.     O ato de delegação de poderes do Ministro do Ambiente no Secretário de Estado do Ambiente e no Secretário de Estado da Administração Interna não foi publicado no Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, e na Internet ou no sítio institucional da entidade em causa.
3.     O concurso extraordinário foi realizado nos termos do aviso nº3055/2019 constante do Diário da República.
4.     João Sorridente, candidato a guarda florestal, foi excluído do concurso por ter sido considerado medicamente inapto em virtude da falta dos seis dentes da frente.
5.     João Sorridente perdeu os seis dentes recentemente ao embater de forma violenta com a cara contra um navio baleeiro no âmbito de uma ação da ONGA “Greenpeace” em defesa da preservação de baleias.
6.     Alguns dos candidatos escolhidos possuíam placas e implantes dentários.
7.     Roberta Alves, médica, fez uma avaliação física e psíquica a João Sorridente.
8.     Manuel Sabichão, também candidato a guarda florestal, foi excluído por ter obtido zero valores na prova de conhecimentos.
9.     Na prova de conhecimentos eram contrapostos dois textos de Direito do Ambiente, um da Escola de Lisboa e outro da Escola de Coimbra, sendo necessário identificar os autores e as respetivas escolas através de perguntas de escolha múltipla.
10.  O conteúdo das provas de conhecimento abrangia matéria até ao 12º ano e conteúdos no âmbito de cultura geral.
11.  A candidata Carla Fontes foi selecionada no concurso extraordinário e durante um curso para guarda florestais envolveu-se num conflito físico, pelo que consequentemente foi sujeita a uma sanção disciplinar.
12.  A candidata Carla Fontes tem uma relação de parentesco com o Secretário de Estado Miguel Fontes.
13.  Não houve lugar a audiência prévia dos interessados requerida por Rogério Andrade.
14.  Ambos os autores impugnam o concurso extraordinário para guarda florestal, alegando ainda ter havido a participação de dois primos, um como Secretário de Estado do Ambiente e outro como seu assessor.
15.  Ambos o Secretário de Estado do Ambiente e o seu assessor foram demitidos na sequência do “family gate”.
16.  O réu alega que as condições do concurso para guarda florestal são idênticas às de qualquer outro procedimento de contratação para agente das forças policiais e de segurança.
17.  O réu acrescenta que as demissões do anterior Secretário de Estado e do seu primo não afetam a validade dos respetivos atos.

Factos dados como não provados:
1.     A posição dos dentes que faltavam a João Sorridente.
2.     A identidade da autora e redatora do exame: Maria Albertina ou Anabela Fernandes.
3.     Se a sanção imposta à candidata e selecionada, Carla Fontes, constituiu apenas uma sanção oral ou uma sanção feita por escrito, tendo como consequência a última um registo.
4.     Se foi entregue ou não à candidata Carla Fontes o conteúdo da prova escrita para ingressar na carreira de guarda florestal, no dia anterior à mesma.

ii)    De direito

1.     Do ato de delegação de poderes
1 - Os autores da ação alegam a existência de um vício de forma na abertura do procedimento concursal, previsto nos termos do aviso nº3055/2019.
De facto, os Secretários de Estado não dispõem de competência própria, nos termos do artigo 10º da Lei Orgânica do XXI Governo Constitucional, sendo necessário proceder-se à abertura do referido procedimento mediante uma delegação de poderes auferida pelo órgão competente.
A delegação de poderes, nos termos do artigo 44º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo, foi dada como provada em tribunal, tendo sido apresentado o testemunho da secretária do Ministro do Ambiente, Rute Martins, assim como o documento escrito do referido ato de delegação.
Estando, assim, provada a existência do documento com a forma exigida pelo artigo 150º, nº1 Código do Procedimento Administrativo, verifica-se improcedente a hipótese de vício de forma do mesmo.
2 – No entanto, os autores alegam um vício de incompetência relativa no referido ato de delegação de poderes.
Nos termos do aviso nº3055/2019 o referido procedimento concursal destina-se a guardas florestais da Guarda Nacional Republicana (GNR), que, nos termos do artigo 4º, nº1 do DL 126-B/ 2011 integram o Ministério da Administração Interna, enquanto forças de segurança (artigo 6º, nº2).
Assim sendo, a competência para a abertura do procedimento concursal e a sua respetiva delegação cabe ao Ministro da Administração Interna.
Tendo o ato de delegação de poderes sido efetuado pelo Ministro do Ambiente, que não tinha competência para tal, o ato padece de um vício de incompetência relativa, procedendo assim a ação de nulidade do mesmo, nestes termos.
3 - Os autores alegam ainda que o referido ato de delegação de poderes padece de ineficácia, por falta de publicação do mesmo em sede de Diário da República, nos termos do artigo 158º/2 do Código do Procedimento Administrativo.
A publicação do ato de delegação de poderes nos termos do artigo 159º do Código do Procedimento Administrativo é um dos requisitos de eficácia deste tipo de atos, nos termos do artigo 47º, nº2 do mesmo Código.
De acordo com o referido artigo 159º, o ato administrativo em questão deveria constar de publicação feita no Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade em causa, contendo as menções obrigatórias estabelecidas no artigo 151º, nº1 do mesmo Código.
Tal publicação não foi provada em sede de julgamento e, por isso, declara-se procedente a referida alegação dos autores, não produzindo, assim, o ato administrativo em causa, quaisquer efeitos jurídicos.
  
2.     Dos requisitos do concurso
1 – Alegam os autores que o concurso se rege por critérios atentadores aos princípios administrativos basilares da atividade administrativa. Alegam:
i.               Violação do princípio da igualdade (artigo 6º do CPA)
ii.             Violação dos princípios da justiça e da razoabilidade (artigo 8º do CPA)
iii.            Violação do princípio da imparcialidade
No que toca à contraposição da defesa, estes alegam que os critérios do concurso constituem uma prática recorrente na abertura de diversos certames públicos.
2 – O princípio da igualdade, que tem assento constitucional, impede a discriminação a particulares com base na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Entende-se discriminação quando uma medida estabelece uma diferenciação de tratamento sem qualquer justificação material (FREITAS DO AMARAL, Curso… vol. II). Alegam os autores uma discriminação com base na sua condição dentífrica e na sua aparência. Parece contundente aceitar a contraposição da Administração quando esta refere a necessidade de uma boa comunicação e de uma aparência requinta. Adiciona-se, ainda, que perante a sede legal constitucional e especial, em nada existe uma proibição desta diferenciação pois tal não consta das categorias suspeitas.
Sabemos ainda que da violação do princípio da igualdade por uma conduta administrativa somente acontece aquando de: igualdade entre duas situações da vida e a disparidade dos tratamentos que lhes foram dispensados (MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral tomo I). Na opinião do Coletivo, não haverá qualquer violação do princípio da igualdade porquanto a atitude da Administração se justifica por parâmetros de segurança e não afrontam gravemente a igualdade material nascente da Constituição (artigo 13º) que reconhece a salvaguarda de discriminações de condições não previstas nas categorias suspeitas do seu artigo e que aqui se verifica com a devida justificação.
3 – Recorrem ainda os autores a uma suposta violação dos princípios da justiça e da razoabilidade. Como um princípio geral, tem sido opinião recorrente do Tribunal que as violações do princípio da justiça reconduzem-se a violações do princípio da tutela da confiança (Ac. STA 6/6/1984, AD 289, 62). Não se carece de rechear este princípio com conteúdos diferentes de princípios com consagração constitucional, que tem sido o entendimento da doutrina e do legislador. Mas parece contundente que, em sede judicial, se atente a cada um dos princípios e, por isso, olhemos para o princípio da tutela da confiança como a jurisprudência tem vindo a consolidar e olhemos para o princípio da justiça no seu sentido mais amplo possível.
Começando pelo princípio da tutela da confiança, este é um princípio decorrente do princípio da boa-fé que procura salvaguardar sujeitos contra atuações imprevisíveis da Administração. Ora, nesta problemática não restam dúvidas de que a atuação da Administração constitui uma atuação longe de surpresa. Das alegações iniciais resultaria que, de facto, os critérios utilizados neste concurso seguem os mesmos moldes que os critérios de concurso para outras posições, como para a PSP. Este é um ponto que, frisa-se, não foi contestado pelos autores. Pondo de parte a comparação com outros certames e olhando autonomamente para a abertura deste concurso em específico, considera o Coletivo o seguinte: não houve qualquer investimento de confiança por parte de nenhum dos autores ou dos candidatos a cuja informação tenha chegado às mãos deste Tribunal/ não se pode considerar que haja alguma situação de confiança porquanto o aviso do certame e a lei não permitem a que alguém possa legitimamente esperar uma contratação se não respeitar os critérios afixados pela entidade competente. Afasta-se qualquer possibilidade de justificação da situação desta confiança, “bonus paeter familiae” que se zele não poderá esperar resultado diferente de um sorteio para o qual não preenche os requisitos. Não imputamos à Administração esta confiança no sentido em que a sua atitude revela nenhum comportamento neste sentido, sendo que é da opinião do Coletivo que a confiança nasceu de uma atitude infundada por parte dos autores. Conclui-se, assim, que não estamos perante uma violação do princípio da tutela da confiança.
Do princípio de justiça em sentido amplo resultaria um conjunto de valores supremos do ordenamento jurídico, mas, por conta do seu esvaziamento, diminui-se à condição de tutela das situações qualificadas como injustas. Alegam as partes o papel da testemunha Carla Fontes que era alegada como tendo sido, supostamente, beneficiada por via dos seus contactos com o Secretário de Estado e um suposto acesso antecipado ao exame. O Tribunal reconhece as razões de queixa e ilustra-se esta problemática com o acórdão da redatora Maria Mota (Ac. STA 24/5/1994) que reporta o princípio da justiça à proibição de implicação de favorecimento por parte da Administração a particulares tendo em consideração as atividades ilícitas daqueles. Parece-nos que, embora este acórdão dê um passo na direção correta, é de afirmar ainda que nos parece insuficiente. Da redatora Ana Machado no acórdão do STA 1/7/1997, resulta que o princípio da justiça “significa que na sua atuação a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afetados”. Concordamos inteiramente com esta posição e mais, para este Coletivo, a única consagração adequada do princípio da justiça deve ser o da proibição de implicação de favorecimento a particulares por via de harmonização do interesse público com os direitos e interesses legítimos dos particulares. Desta conclusão partimos para o caso sub judice. É facto que a testemunha Carla Fontes acedeu ao certame e foi aceite; é facto que esta foi alvo de uma sanção disciplinar; não é facto, no entanto, que ela tenha tido acesso ao documento da prova escrita. Da sanção disciplinar resulta que houve apenas uma repreensão oral e, por esta via, embora a lei previsse uma outra forma de represália que não foi cumprida, a aceitação de Carla Fontes não pode ser vista como injusta (em causa a falta de seguir os procedimentos disciplinares por parte do órgão disciplinar competente para julgar a situação de Carla Fontes, não a sua aceitação). A relação da testemunha Carla Fontes com o Secretário de Estado e com o Ministro relevam a devida ponderação, mas, da fase do inquérito, resultou nenhuma consideração final. Remete-se ainda a questão suscitada pelos dentes da frente do autor João Sorridente. Perfilha este coletivo da mesma decisão supra. Não se entende em que qualidade aqui poderia estar presente a tomada de uma decisão por fonte em critérios objetivos violada. O interesse mormente será o de defender uma boa comunicação para um trabalho que requeira um enorme esforço de comunicação em caso de perigo. Em nosso entender, parece razoável que a Administração possa afastar um candidato que considere que não consiga comunicar adequadamente.
Suspendemos, assim, a queixa por violação do princípio da justiça e da razoabilidade.
4 – Por fim, alega-se a violação do princípio da imparcialidade.
O princípio da imparcialidade remeterá, neste caso, para a sua dimensão positiva, ou seja, da sua margem de livre decisão, a Administração deve ter em conta todos os interesses públicos e privados relevantes para a decisão (artigo 9º do CPA). A violação deste princípio não deixa de ter a sua dificuldade de prova e, o que é facto é que o presente Tribunal deparou-se com esta mesma dificuldade, mesmo em fase de inquérito.
Do ponto 21º da Petição Inicial os autores põem em causa este princípio relativamente ao facto de afastarem o autor A por motivo da sua condição dentífrica. Não podíamos estar mais em desacordo. Não se percebe o porquê da invocação deste princípio em sede desta matéria. Em causa não está um ato tendencioso, mas apenas um ato com fundamento num critério já estabelecido. Não podemos concordar com as afirmações dos autores.
Alegam os autores que este princípio aparece principalmente violado com a nomeação de um parente para Assessor bem como da falta de cumprimento do direito de audiência. Ora, sem dúvida que a imparcialidade pode ser gravemente atentada no caso do familiar, mas, para o presente caso, importa olhar para a lei. Do artigo 73º do CPA resulta que os titulares de órgãos da Administração Pública devem pedir escusa de intervir num procedimento quando se possa duvidar seriamente da sua imparcialidade.
Relembra-se que no presente caso avaliamos a validade da prática dos atos administrativos relativos ao concurso de abertura de posições para guardas florestais. Deste Tribunal resultará apenas a decisão relativa a esses factos e a mais nenhum. Considerando a nomeação do Assessor, é de duvidar seriamente o interesse que este poderia ter no certame de guardas florestais. Contra-alegou-se na audiência o contrário, mas o que é facto é que não se provou, na nossa opinião, que há uma séria dúvida inequívoca da imparcialidade do Assessor, ainda que este fosse conhecido da testemunha. Não pode este Tribunal aplicar uma lei desrespeitando a sua ratio. Não deixa de ser verdade que os casos de nomeações de familiares para o Governo são vários, mas, muitas vezes, não passam de nomeações que têm por fins, fins políticos.
A decisão relativa a este princípio é de difícil prova, mas é sempre de presumir a imparcialidade do órgão e é nessa mesma linha que isentamos o Assessor em relação a este ato.

3.     Da necessidade de audiência prévia
1 – No que concerne ao procedimento da abertura do concurso para a profissão de guarda florestal, foi realizado um requerimento, por Rogério Andrade, para a realização de uma audiência prévia dos interessados, direito que lhe é conferido pelo artigo 121º nº1 do Código de Procedimento administrativo. Tal audiência não foi realizada, pondo-se em causa a nulidade do ato administrativo, pelo artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo.

O autor do requerimento cumpriu todos os requisitos presentes no artigo 102º do Código de Procedimento Administrativo, no que concerne à elaboração do mesmo.  

Relativamente à competência deste ato administrativo enuncia-se que, segundo o artigo 124º nº1 do Código de Procedimento Administrativo, é permitido ao responsável pela direção do procedimento não proceder à audiência dos interessados quando decorra alguma das situações enunciadas no primeiro preceito do mesmo artigo. A direção do procedimento era considerada da responsabilidade do Secretário de Estado da Administração Interna e do Secretário de Estado do Ambiente por via de delegação de poderes. No entanto, esta delegação de poderes, como já foi referido, foi considerada nula. 

2 – No que concerne ao critério material do ato administrativo, o artigo 124º nº1 do Código de Procedimento Administrativo exige que se cumpram pelo menos uma das situações enunciadas por este nas suas alíneas, para que seja permitida a dispensa da audiência dos interessados. Considerou-se o cumprimento da alínea a) do nº1 do artigo em questão, visto que a abertura do concurso público é realizada devido à aproximação da época de Verão, que por norma coincide com o aumento de temperaturas e consequentemente com o aumento do risco de incêndios florestais, tornando-se urgente a seleção de novos guardas florestais.

Não foi considerado, porém, que se realizassem as alíneas d) e f) do nº1 do artigo 124º, não sendo estas justificação para a não realização da audiência no caso concreto. A desconsideração da aplicação da alínea d) justifica-se pelo facto de o número de interessados na realização da audiência não aparentar ser suficientemente elevado para tornar a audiência impraticável. Adicionalmente, a desconsideração da alínea f) baseia-se no facto de a decisão formulada poder não vir a ser inteiramente favorável aos interessados, uma vez que poderia conduzir à exclusão da elegibilidade de candidatos aptos à profissão de guarda florestal.


4.     Da decisão de exclusão da candidatura de Manuel Sabichão
1 – Em relação à prova de conhecimentos para o ingresso na carreira de guarda florestal, foi apresentado pelos réus uma prova de admissão que foi dada por ilegal por parte dos autores. No entanto, não se dá por provada tal ilegalidade, aceitando-se como verdadeira a prova de admissão apresentada pelos réus.
Da prova de conhecimentos constava uma pergunta acerca de uma divergência doutrinária relativa ao Direito do Ambiente, na qual foi pedida a distinção da visão da Escola de Lisboa da de Coimbra.
No entanto, nos termos do aviso nº 3055/2019 constante do Diário da República, 2ª série, nº. 40, de 26 de Fevereiro de 2019, no ponto 11 e 11.1 a) nº4 a prova é constituída por matérias de língua portuguesa ao nível do conteúdo programático do 12º ano de escolaridade e por temas de cultura geral da atualidade.
Assim, considerar que como abrangido o conhecimento da referida divergência doutrinária seria ter uma visão muito abrangente do conceito de conhecimento geral, e neste sentido, consideramos que tais conhecimentos excedem o admitido pelo aviso para o conteúdo da prova.
Nestes termos, julga-se o pedido de nulidade da deliberação de exclusão do João Sorridente do concurso procedente.

5.     Da decisão de exclusão da candidatura de João Sorridente
1- Quanto à alegação dos autores referente à discriminação relativa à dentição de João Sorridente, de acordo com o artigo 25º -B alínea d) do Estatuto da Carreira de Guarda Florestal, “Podem concorrer à carreira de guarda-florestal da Guarda os cidadãos que satisfaçam as condições seguintes: (d)Tenham aptidão física e psíquica para o desempenho da função e cumpram as leis de vacinação obrigatória”.

Considera-se que João Sorridente não possui aptidão física para desempenhar a referida função de guarda florestal, à qual se propunha, na medida em que se entende que a profissão de guarda florestal requer uma boa aptidão oratória, devendo comunicar de forma clara, compreensível e inteligível.

João Sorridente, pelo facto de não ter os seis dentes da frente, porá em causa uma das características mais importantes do seu trabalho. Tal importância manifesta-se não só relativamente à relação profissional com os demais guardas, quer com a população, principalmente em situações de emergência tão frequentes no exercício da sua atividade.

Fundamenta-se a falta de aptidão em função da testemunha Dra Roberta Alves, apresentada pelos réus, tendo sido destacada pelo Estado para avaliar as condições quer psíquicas, quer físicas de João Sorridente, tendo considerado que a falta dos seis dentes da frente punham em causa o bom desempenho da sua atividade.

2- No que tange à possível violação o princípio da igualdade, previsto no artigo 6º do Código do Procedimento Administrativo. De acordo com o presente artigo, Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” Considera-se que a Administração Pública não atuou de forma discriminatória, na medida em que a aptidão de todos os candidatos foi avaliada igualmente, nomeadamente em função da sua capacidade de comunicação. Além disso, é dado como facto provado que certos guardas florestais que efetivamente não tinham uma dentição completa, usavam implantes dentários de modo a suprir uma eventual dificuldade de comunicação.

3- Alega-se ainda, pelos autores, uma violação do princípio da razoabilidade, previsto no artigo 8º do CPA. Como o presente artigo estatui,A Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa”. Quanto à primeira parte do presente artigo, em função da avaliação feita pela testemunha Dra. Roberta Alves a todos os candidatos, não se considera ter havido um tratamento injusto para com nenhum dos candidatos, visto que todos foram avaliados de igual forma. Considera-se que a interpretação do artigo 25º -B alínea d) do Estatuto dos Guardas Florestais, se manifesta razoável na medida em que, como referido anteriormente, apresenta-se necessário, dado a natureza da profissão de Guarda Florestal, uma dentição que permita uma comunicação clara e compreensível.

4- Quanto à eventual violação do princípio da imparcialidade, previsto pelo artigo 9º do Código do Procedimento Administrativo. De acordo com o presente artigo, “A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção”. Considera-se que, tendo em conta que todos os candidatos foram avaliados por especialistas de forma transversal e igual, a Administração considerou todos os interesses relevantes no contexto decisório, na medida em que a avaliação da aptidão física se revela um mecanismo de defesa da segurança pública.


6.     Da possibilidade de suspeição

No que toca ao potencial caso de suspeição relativamente à interferência no processo decisório do Secretário de Estado do Ambiente e seu assessor, seu primo, considera-se que não está previsto nenhuma das hipóteses expostas no artigo 73º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que não está em causa nenhum ato que viole o princípio da imparcialidade, previsto no artigo 9º do mesmo diploma, nem se considera que tenha havido interesses particulares de forma a manipular a contratação dos guardas florestais.


  II.         Decisão:
Nestes termos, e com fundamento no supraexposto, julga-se procedente a ação interposta pelos autores relativamente aos pedidos de nulidade ii) Da abertura do concurso extraordinário para a categoria de guarda florestal, com fundamento de ilegalidade pelos vícios supra-referidos, iv)  Da decisão de exclusão da candidatura de Manuel Sabichão e v)  Do processo de decisão de atribuição das cinco (5) vagas para a categoria de guarda florestal.
Acordam neste Tribunal, de um voto 6-1, a impugnação do concurso extraordinário de guardas florestais.

 III.         Voto de vencido
Tomás Varandas
Acordou-se neste Tribunal a procedência parcial da ação dos autores A e B sobre a Administração pela invalidade de um concurso público de contratação. Aquando da feitura da sentença concordámos inteiramente com a posição adotada por este Coletivo, no entanto, discordamos totalmente da decisão final e, para nós, a improcedência da ação dos autores releva um desprezo enorme pelas regras impostas pela nossa sociedade. A nossa contribuição para a decisão final relativa aos princípios e aos critérios de acesso ao concurso (vide o nosso “Dos requisitos do concurso”) procura dar aos colegas a nossa visão sobre qual o caminho a seguir neste caso. É, no entanto, com profundo pesar, que o restante do Coletivo não perfilhou desta opinião pelo que, de resto, aqui apresenta-se a nossa contestação ao resto da sentença.
A
Alegavam os autores que o ato de delegação de poderes era ferido por vício de forma por preterição da formal legal (artigo 47º nº2). Do artigo 159º do CPA resulta que se exige que a forma do ato de delegação de poderes deva constar na publicação oficial da entidade pública ou no Diário da República.
Num nível meramente probatório e testemunhal, ficou provado que não foi, de facto, publicitado no Diário da República. No entanto, as testemunhas apresentadas contra-argumentaram que, de facto, o ato tinha sido publicitado, sem nunca terem explicitado onde. Ora, do artigo em consideração resulta que a publicitação do ato é condição essencial para validade do ato e, para nós, o artigo 159º do CPA dá duas maneiras: forma do Diário da República ou forma da publicação oficial. Verificamos a última e, para nós, o ato é válido nestes moldes e considera-se imprudente que as partes venham alegar que o ato não foi publicitado quando uma das testemunhas em fase de inquérito admitiu sob juramento que o ato de facto foi publicitado, ainda que sem mencionar aonde.
Apreciamos, assim, favoravelmente a ação da Administração.
B
Da competência do Ministro do Ambiente alegou-se que este possuía nenhuma para a delegação de poderes relativos à abertura do certame. Do artigo 16º nº 4 do Decreto-lei nº251-A/2015 resulta que o Ministro da Administração Interna exerce as suas competências em conjunto com as do Ministro do Ambiente e do seu número 1 que tem como missão executar e avaliar as políticas de segurança interna. Por esta via, notamos que, de facto, em causa poderia estar um princípio de inter-coordenação entre os serviços do Governo. Mas tal não está em causa. Do artigo 26º nº1 do mesmo decreto-lei, resulta que o Ministro do Ambiente tem por missão a “conservação da natureza”. Ainda da Lei orgânica do Ministério do Ambiente, do seu artigo 2º alínea e), resulta que o Ministério do Ambiente deve procurar a proteção da saúde pública e promover ações de prevenção e avaliação sistémica sobre o impacto que a atividade humana tem no ambiente. Parece-nos que, de facto, um dos maiores problemas dos incêndios prende-se com a atividade humana descuidada e, parece que, de facto, o Ministério do Ambiente deva ter um parecer sobre a contratação de guardas florestais que contribuem para este tipo de atividade. No entanto, não deixamos de discordar que, destes argumentos gera uma imprudência. Em nenhum lugar da lei resulta que o Ministro do Ambiente ou o Ministro da Administração Interna possam abrir este concurso e estipular quais os seus conteúdos.
Do artigo 3º nº3 do Decreto-lei 111/98 resulta que é o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas quem tem competência para abrir este processo conjuntamente com o Ministro da Administração Interna.
Deste ponto perfilha-se, de facto, da posição do Coletivo. Assim, consideramos que há um caso de incompetência relativa e neste aspeto não discordamos. Apenas discordamos é da argumentação e do resultado final que será, pelo artigo 163º nº5 alínea c) pois, é da nossa opinião que, mesmo sem este vício, o ato de abertura do concurso teria tido o mesmo conteúdo e neste ponto não temos qualquer dúvida. Nestes termos, o ato seria, para nós, anulável e, como nenhuma das partes veio a pretender a impugnação contenciosa deste ato em sede de declaração de anulabilidade, para nós, o ato manter-se-ia com os seus efeitos (sendo ainda de relevar a urgência em abrir o concurso). Mesmo que a anulabilidade fosse declarada, esta ainda seria passível de conversão nos termos do artigo 164º e manter-se-ia mesmo assim.
C
Da questão da prova de conhecimentos do qual foi excluído o autor B, não partimos de quaisquer argumentos jurídicos, mas de argumentos lógicos. É do nosso entender que, sim, de facto, foi comprovado em sede de inquérito que um guarda florestal não pressupõe que tenha um grande conhecimento do Direito, mas, como um oficial, incumbe ao guarda florestal um dever de conhecimento do Direito mais aprofundado do que a um cidadão médio e, por isso, não nos surpreende que possa haver uma pergunta precisamente sobre este assunto. Relativamente à dificuldade suscitada, aí é que poderia haver motivo para dúvidas, mas, nesse caso, mantemo-nos com o que defendemos supra (vide a nossa defensa de respeito dos princípios da atividade Administrativa neste ato) e defendemos que aí, estritamente, cumpre-se os pressupostos de avaliação técnica exigível pelo certame.
Aliás, indo por uma lógica de aceitação do contrário implicaria admitir que se os exames de acesso à Ordem dos Advogados fossem muito difíceis ou tivessem matéria que os candidatos não tivessem estudado muito detalhadamente, seriam impugnáveis por violarem princípios de atividade administrativa. Reconhecer a validade de tais argumentos poria certamente em causa a validade de qualquer concurso de contratação pública e tal não pode ser admissível.
D
Defendemos, assim, que a impugnação do concurso extraordinário é improcedente e, para nós, o concurso de contratação respeitou os efeitos atribuídos por lei e é neste sentido que votámos a favor da impugnação do recurso dos autores e damos razão à Administração.  


Lisboa, 16 de Maio de 2019

Os juízes de Direito,
Ana Rita Guerra Alves nº 140117105
Maria Beatriz Carmo nº 140117127
Maria Rosário Soares nº140117064
Maria Rosário Alves nº140117054

Rodrigo Viegas nº 140117077
Tomás Varandas nº140117051
Neus Martins nº 140117097


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