Sentença da simulação de julgamento
Tribunal Administrativo
I. RELATÓRIO
Os autores,
João Sorridente, detentor
do cartão de cidadão (CC) n.º 23457800, e Manuel Sabichão, detentor
do cartão de cidadão (CC) n.º 19807765, intentaram, ao abrigo do
artigo 12º, nº1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,
uma ação administrativa comum na qual requerem a impugnação do concurso
extraordinário para guarda florestal.
Contra,
Secretário de
Estado da Administração Interna, e Secretário de Estado do Ambiente,
detentores do Cartão de Cidadão nº 14928422 e nº 13607456 respetivamente.
O
autor requer a nulidade por parte do Tribunal i) Das normas
supra-referidas do aviso 3055/2019, com fundamento de inconstitucionalidade por
violação do Princípio da Igualdade, ii) Da abertura do concurso extraordinário
para a categoria de guarda florestal, com fundamento de ilegalidade pelos
vícios supra-referidos, iii) Da decisão de exclusão da candidatura de João
Sorridente, iv) Da decisão de exclusão
da candidatura de Manuel Sabichão e v) Do
processo de decisão de atribuição das cinco (5) vagas para a categoria de
guarda florestal.
I.
Fundamentação
i) De Facto
Factos
Provados:
1.
O Secretário de Estado da Administração Interna
e o Secretário de Estado do Ambiente, tendo em conta a aproximação da época
estival, decidiram abrir um concurso extraordinário para o ingresso de mais 5
vagas na carreira de guarda florestal.
2.
O ato de delegação de poderes do Ministro
do Ambiente no Secretário de Estado do Ambiente e no Secretário de Estado da
Administração Interna não foi publicado no Diário da República ou na publicação
oficial da entidade pública, e na Internet ou no sítio institucional da
entidade em causa.
3.
O concurso extraordinário foi realizado
nos termos do aviso nº3055/2019 constante do Diário da República.
4.
João Sorridente, candidato a guarda
florestal, foi excluído do concurso por ter sido considerado medicamente inapto
em virtude da falta dos seis dentes da frente.
5.
João Sorridente perdeu os seis dentes
recentemente ao embater de forma violenta com a cara contra um navio baleeiro
no âmbito de uma ação da ONGA “Greenpeace” em defesa da preservação de baleias.
6.
Alguns dos candidatos escolhidos possuíam
placas e implantes dentários.
7.
Roberta Alves, médica, fez uma avaliação
física e psíquica a João Sorridente.
8.
Manuel Sabichão, também candidato a guarda
florestal, foi excluído por ter obtido zero valores na prova de conhecimentos.
9.
Na prova de conhecimentos eram
contrapostos dois textos de Direito do Ambiente, um da Escola de Lisboa e outro
da Escola de Coimbra, sendo necessário identificar os autores e as respetivas
escolas através de perguntas de escolha múltipla.
10.
O conteúdo das provas de conhecimento
abrangia matéria até ao 12º ano e conteúdos no âmbito de cultura geral.
11.
A candidata Carla Fontes foi selecionada
no concurso extraordinário e durante um curso para guarda florestais
envolveu-se num conflito físico, pelo que consequentemente foi sujeita a uma
sanção disciplinar.
12.
A candidata Carla Fontes tem uma relação
de parentesco com o Secretário de Estado Miguel Fontes.
13.
Não houve lugar a audiência prévia dos
interessados requerida por Rogério Andrade.
14.
Ambos os autores impugnam o concurso
extraordinário para guarda florestal, alegando ainda ter havido a participação
de dois primos, um como Secretário de Estado do Ambiente e outro como seu
assessor.
15.
Ambos o Secretário de Estado do Ambiente e
o seu assessor foram demitidos na sequência do “family gate”.
16.
O réu alega que as condições do concurso
para guarda florestal são idênticas às de qualquer outro procedimento de
contratação para agente das forças policiais e de segurança.
17.
O réu acrescenta que as demissões do
anterior Secretário de Estado e do seu primo não afetam a validade dos
respetivos atos.
Factos
dados como não provados:
1.
A posição dos dentes que faltavam a João
Sorridente.
2.
A identidade da autora e redatora do exame:
Maria Albertina ou Anabela Fernandes.
3.
Se a sanção imposta à candidata e
selecionada, Carla Fontes, constituiu apenas uma sanção oral ou uma sanção
feita por escrito, tendo como consequência a última um registo.
4.
Se foi entregue ou não à candidata Carla
Fontes o conteúdo da prova escrita para ingressar na carreira de guarda
florestal, no dia anterior à mesma.
ii) De direito
1.
Do ato de delegação de poderes
1
- Os autores da ação alegam a existência de um vício de forma na abertura do
procedimento concursal, previsto nos termos do aviso nº3055/2019.
De
facto, os Secretários de Estado não dispõem de competência própria, nos termos
do artigo 10º da Lei Orgânica do XXI Governo Constitucional, sendo necessário
proceder-se à abertura do referido procedimento mediante uma delegação de
poderes auferida pelo órgão competente.
A
delegação de poderes, nos termos do artigo 44º, nº1 do Código do Procedimento
Administrativo, foi dada como provada em tribunal, tendo sido apresentado o
testemunho da secretária do Ministro do Ambiente, Rute Martins, assim como o
documento escrito do referido ato de delegação.
Estando,
assim, provada a existência do documento com a forma exigida pelo artigo 150º,
nº1 Código do Procedimento Administrativo, verifica-se improcedente a hipótese
de vício de forma do mesmo.
2
– No entanto, os autores alegam um vício de incompetência relativa no referido
ato de delegação de poderes.
Nos
termos do aviso nº3055/2019 o referido procedimento concursal destina-se a
guardas florestais da Guarda Nacional Republicana (GNR), que, nos termos do artigo
4º, nº1 do DL 126-B/ 2011 integram o Ministério da Administração Interna,
enquanto forças de segurança (artigo 6º, nº2).
Assim
sendo, a competência para a abertura do procedimento concursal e a sua
respetiva delegação cabe ao Ministro da Administração Interna.
Tendo
o ato de delegação de poderes sido efetuado pelo Ministro do Ambiente, que não
tinha competência para tal, o ato padece de um vício de incompetência relativa,
procedendo assim a ação de nulidade do mesmo, nestes termos.
3
- Os autores alegam ainda que o referido ato de delegação de poderes padece de
ineficácia, por falta de publicação do mesmo em sede de Diário da República,
nos termos do artigo 158º/2 do Código do Procedimento Administrativo.
A
publicação do ato de delegação de poderes nos termos do artigo 159º do Código
do Procedimento Administrativo é um dos requisitos de eficácia deste tipo de
atos, nos termos do artigo 47º, nº2 do mesmo Código.
De
acordo com o referido artigo 159º, o ato administrativo em questão deveria
constar de publicação feita no Diário da República ou na publicação oficial da
entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade em causa,
contendo as menções obrigatórias estabelecidas no artigo 151º, nº1 do mesmo
Código.
Tal
publicação não foi provada em sede de julgamento e, por isso, declara-se
procedente a referida alegação dos autores, não produzindo, assim, o ato administrativo
em causa, quaisquer efeitos jurídicos.
2. Dos requisitos do concurso
1 – Alegam os autores que o concurso se rege por critérios atentadores
aos princípios administrativos basilares da atividade administrativa. Alegam:
i.
Violação do princípio da igualdade (artigo
6º do CPA)
ii.
Violação dos princípios da justiça e da
razoabilidade (artigo 8º do CPA)
iii.
Violação do princípio da imparcialidade
No que toca à
contraposição da defesa, estes alegam que os critérios do concurso constituem
uma prática recorrente na abertura de diversos certames públicos.
2 – O princípio da igualdade, que tem assento constitucional, impede a
discriminação a particulares com base na ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução,
situação económica, condição social ou orientação sexual.
Entende-se discriminação
quando uma medida estabelece uma diferenciação de tratamento sem qualquer
justificação material (FREITAS DO AMARAL, Curso… vol. II). Alegam os autores
uma discriminação com base na sua condição dentífrica e na sua aparência.
Parece contundente aceitar a contraposição da Administração quando esta refere
a necessidade de uma boa comunicação e de uma aparência requinta. Adiciona-se,
ainda, que perante a sede legal constitucional e especial, em nada existe uma
proibição desta diferenciação pois tal não consta das categorias suspeitas.
Sabemos ainda que da
violação do princípio da igualdade por uma conduta administrativa somente
acontece aquando de: igualdade entre duas situações da vida e a disparidade dos
tratamentos que lhes foram dispensados (MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÉ SALGADO DE
MATOS, Direito Administrativo Geral tomo I). Na opinião do Coletivo, não haverá
qualquer violação do princípio da igualdade porquanto a atitude da
Administração se justifica por parâmetros de segurança e não afrontam
gravemente a igualdade material nascente da Constituição (artigo 13º) que
reconhece a salvaguarda de discriminações de condições não previstas nas
categorias suspeitas do seu artigo e que aqui se verifica com a devida
justificação.
3 – Recorrem ainda os
autores a uma suposta violação dos princípios da justiça e da razoabilidade.
Como um princípio geral, tem sido opinião recorrente do Tribunal que as
violações do princípio da justiça reconduzem-se a violações do princípio da
tutela da confiança (Ac. STA 6/6/1984, AD 289, 62). Não se carece de rechear
este princípio com conteúdos diferentes de princípios com consagração
constitucional, que tem sido o entendimento da doutrina e do legislador. Mas
parece contundente que, em sede judicial, se atente a cada um dos princípios e,
por isso, olhemos para o princípio da tutela da confiança como a jurisprudência
tem vindo a consolidar e olhemos para o princípio da justiça no seu sentido
mais amplo possível.
Começando pelo princípio
da tutela da confiança, este é um princípio decorrente do princípio da boa-fé
que procura salvaguardar sujeitos contra atuações imprevisíveis da
Administração. Ora, nesta problemática não restam dúvidas de que a atuação da
Administração constitui uma atuação longe de surpresa. Das alegações iniciais
resultaria que, de facto, os critérios utilizados neste concurso seguem os
mesmos moldes que os critérios de concurso para outras posições, como para a
PSP. Este é um ponto que, frisa-se, não foi contestado pelos autores. Pondo de
parte a comparação com outros certames e olhando autonomamente para a abertura
deste concurso em específico, considera o Coletivo o seguinte: não houve
qualquer investimento de confiança por parte de nenhum dos autores ou dos
candidatos a cuja informação tenha chegado às mãos deste Tribunal/ não se pode
considerar que haja alguma situação de confiança porquanto o aviso do certame e
a lei não permitem a que alguém possa legitimamente esperar uma contratação se
não respeitar os critérios afixados pela entidade competente. Afasta-se
qualquer possibilidade de justificação da situação desta confiança, “bonus
paeter familiae” que se zele não poderá esperar resultado diferente de um
sorteio para o qual não preenche os requisitos. Não imputamos à Administração
esta confiança no sentido em que a sua atitude revela nenhum comportamento
neste sentido, sendo que é da opinião do Coletivo que a confiança nasceu de uma
atitude infundada por parte dos autores. Conclui-se, assim, que não estamos
perante uma violação do princípio da tutela da confiança.
Do princípio de justiça
em sentido amplo resultaria um conjunto de valores supremos do ordenamento
jurídico, mas, por conta do seu esvaziamento, diminui-se à condição de tutela
das situações qualificadas como injustas. Alegam as partes o papel da
testemunha Carla Fontes que era alegada como tendo sido, supostamente,
beneficiada por via dos seus contactos com o Secretário de Estado e um suposto
acesso antecipado ao exame. O Tribunal reconhece as razões de queixa e
ilustra-se esta problemática com o acórdão da redatora Maria Mota (Ac. STA
24/5/1994) que reporta o princípio da justiça à proibição de implicação de
favorecimento por parte da Administração a particulares tendo em consideração
as atividades ilícitas daqueles. Parece-nos que, embora este acórdão dê um
passo na direção correta, é de afirmar ainda que nos parece insuficiente. Da
redatora Ana Machado no acórdão do STA 1/7/1997, resulta que o princípio da
justiça “significa que na sua atuação a Administração Pública deve harmonizar o
interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e
interesses legítimos dos particulares eventualmente afetados”. Concordamos
inteiramente com esta posição e mais, para este Coletivo, a única consagração
adequada do princípio da justiça deve ser o da proibição de implicação de
favorecimento a particulares por via de harmonização do interesse público com
os direitos e interesses legítimos dos particulares. Desta conclusão partimos
para o caso sub judice. É facto que a
testemunha Carla Fontes acedeu ao certame e foi aceite; é facto que esta foi
alvo de uma sanção disciplinar; não é facto, no entanto, que ela tenha tido
acesso ao documento da prova escrita. Da sanção disciplinar resulta que houve
apenas uma repreensão oral e, por esta via, embora a lei previsse uma outra
forma de represália que não foi cumprida, a aceitação de Carla Fontes não pode
ser vista como injusta (em causa a falta de seguir os procedimentos
disciplinares por parte do órgão disciplinar competente para julgar a situação
de Carla Fontes, não a sua aceitação). A relação da testemunha Carla Fontes com
o Secretário de Estado e com o Ministro relevam a devida ponderação, mas, da
fase do inquérito, resultou nenhuma consideração final. Remete-se ainda a
questão suscitada pelos dentes da frente do autor João Sorridente. Perfilha
este coletivo da mesma decisão supra. Não se entende em que qualidade aqui
poderia estar presente a tomada de uma decisão por fonte em critérios objetivos
violada. O interesse mormente será o de defender uma boa comunicação para um
trabalho que requeira um enorme esforço de comunicação em caso de perigo. Em
nosso entender, parece razoável que a Administração possa afastar um candidato
que considere que não consiga comunicar adequadamente.
Suspendemos, assim, a
queixa por violação do princípio da justiça e da razoabilidade.
4 – Por fim, alega-se a
violação do princípio da imparcialidade.
O princípio da
imparcialidade remeterá, neste caso, para a sua dimensão positiva, ou seja, da
sua margem de livre decisão, a Administração deve ter em conta todos os
interesses públicos e privados relevantes para a decisão (artigo 9º do CPA). A
violação deste princípio não deixa de ter a sua dificuldade de prova e, o que é
facto é que o presente Tribunal deparou-se com esta mesma dificuldade, mesmo em
fase de inquérito.
Do ponto 21º da Petição
Inicial os autores põem em causa este princípio relativamente ao facto de
afastarem o autor A por motivo da sua condição dentífrica. Não podíamos estar
mais em desacordo. Não se percebe o porquê da invocação deste princípio em sede
desta matéria. Em causa não está um ato tendencioso, mas apenas um ato com
fundamento num critério já estabelecido. Não podemos concordar com as
afirmações dos autores.
Alegam os autores que
este princípio aparece principalmente violado com a nomeação de um parente para
Assessor bem como da falta de cumprimento do direito de audiência. Ora, sem
dúvida que a imparcialidade pode ser gravemente atentada no caso do familiar,
mas, para o presente caso, importa olhar para a lei. Do artigo 73º do CPA
resulta que os titulares de órgãos da Administração Pública devem pedir escusa
de intervir num procedimento quando se possa duvidar seriamente da sua
imparcialidade.
Relembra-se que no
presente caso avaliamos a validade da prática dos atos administrativos
relativos ao concurso de abertura de posições para guardas florestais. Deste
Tribunal resultará apenas a decisão relativa a esses factos e a mais nenhum.
Considerando a nomeação do Assessor, é de duvidar seriamente o interesse que
este poderia ter no certame de guardas florestais. Contra-alegou-se na
audiência o contrário, mas o que é facto é que não se provou, na nossa opinião,
que há uma séria dúvida inequívoca da imparcialidade do Assessor, ainda que
este fosse conhecido da testemunha. Não pode este Tribunal aplicar uma lei
desrespeitando a sua ratio. Não deixa de ser verdade que os casos de nomeações
de familiares para o Governo são vários, mas, muitas vezes, não passam de
nomeações que têm por fins, fins políticos.
A decisão relativa a este
princípio é de difícil prova, mas é sempre de presumir a imparcialidade do
órgão e é nessa mesma linha que isentamos o Assessor em relação a este ato.
3.
Da necessidade de audiência prévia
1 – No que concerne ao procedimento da abertura do concurso
para a profissão de guarda florestal, foi realizado um requerimento, por
Rogério Andrade, para a realização de uma audiência prévia dos interessados,
direito que lhe é conferido pelo artigo 121º nº1 do Código de Procedimento
administrativo. Tal audiência não foi realizada, pondo-se em causa a nulidade
do ato administrativo, pelo artigo 161º do Código de Procedimento
Administrativo.
O autor do requerimento cumpriu todos os requisitos
presentes no artigo 102º do Código de Procedimento Administrativo, no que
concerne à elaboração do mesmo.
Relativamente à competência deste ato administrativo
enuncia-se que, segundo o artigo 124º nº1 do Código de Procedimento
Administrativo, é permitido ao responsável pela direção do procedimento não
proceder à audiência dos interessados quando decorra alguma das situações
enunciadas no primeiro preceito do mesmo artigo. A direção do procedimento era
considerada da responsabilidade do Secretário de Estado da Administração
Interna e do Secretário de Estado do Ambiente por via de delegação de poderes.
No entanto, esta delegação de poderes, como já foi referido, foi considerada
nula.
2 – No que concerne ao critério material do ato
administrativo, o artigo 124º nº1 do Código de Procedimento Administrativo
exige que se cumpram pelo menos uma das situações enunciadas por este nas suas
alíneas, para que seja permitida a dispensa da audiência dos interessados.
Considerou-se o cumprimento da alínea a) do nº1 do artigo em questão, visto que
a abertura do concurso público é realizada devido à aproximação da época de
Verão, que por norma coincide com o aumento de temperaturas e consequentemente
com o aumento do risco de incêndios florestais, tornando-se urgente a seleção
de novos guardas florestais.
Não foi considerado, porém, que se realizassem as alíneas
d) e f) do nº1 do artigo 124º, não sendo estas justificação para a não
realização da audiência no caso concreto. A desconsideração da aplicação da
alínea d) justifica-se pelo facto de o número de interessados na realização da
audiência não aparentar ser suficientemente elevado para tornar a audiência
impraticável. Adicionalmente, a desconsideração da alínea f) baseia-se no facto
de a decisão formulada poder não vir a ser inteiramente favorável aos
interessados, uma vez que poderia conduzir à exclusão da elegibilidade de
candidatos aptos à profissão de guarda florestal.
4.
Da decisão
de exclusão da candidatura de Manuel Sabichão
1
– Em relação à prova de conhecimentos para o ingresso na carreira de guarda
florestal, foi apresentado pelos réus uma prova de admissão que foi dada por
ilegal por parte dos autores. No entanto, não se dá por provada tal ilegalidade,
aceitando-se como verdadeira a prova de admissão apresentada pelos réus.
Da
prova de conhecimentos constava uma pergunta acerca de uma divergência
doutrinária relativa ao Direito do Ambiente, na qual foi pedida a distinção da
visão da Escola de Lisboa da de Coimbra.
No
entanto, nos termos do aviso nº 3055/2019 constante do Diário da
República, 2ª série, nº. 40, de 26 de Fevereiro de 2019, no ponto 11 e 11.1 a) nº4 a prova é constituída por matérias de língua
portuguesa ao nível do conteúdo programático do 12º ano de escolaridade e por
temas de cultura geral da atualidade.
Assim,
considerar que como abrangido o conhecimento da referida divergência
doutrinária seria ter uma visão muito abrangente do conceito de conhecimento
geral, e neste sentido, consideramos que tais conhecimentos excedem o admitido
pelo aviso para o conteúdo da prova.
Nestes termos, julga-se o pedido de nulidade da deliberação de
exclusão do João Sorridente do concurso procedente.
5.
Da decisão de exclusão da candidatura de João
Sorridente
1- Quanto à alegação dos autores referente à discriminação relativa à
dentição de João Sorridente, de acordo com o artigo 25º -B alínea d) do
Estatuto da Carreira de Guarda Florestal, “Podem
concorrer à carreira de guarda-florestal da Guarda os cidadãos que satisfaçam
as condições seguintes: (d)Tenham aptidão física e psíquica para o desempenho
da função e cumpram as leis de vacinação obrigatória”.
Considera-se que João Sorridente não possui aptidão
física para desempenhar a referida função de guarda florestal, à qual se
propunha, na medida em que se entende que a profissão de guarda florestal
requer uma boa aptidão oratória, devendo comunicar de forma clara,
compreensível e inteligível.
João Sorridente, pelo facto de não ter os seis dentes da frente, porá em
causa uma das características mais importantes do seu trabalho. Tal importância
manifesta-se não só relativamente à relação profissional com os demais guardas,
quer com a população, principalmente em situações de emergência tão frequentes
no exercício da sua atividade.
Fundamenta-se a falta de aptidão em função da testemunha Dra Roberta
Alves, apresentada pelos réus, tendo sido destacada pelo Estado para avaliar as
condições quer psíquicas, quer físicas de João Sorridente, tendo considerado
que a falta dos seis dentes da frente punham em causa o bom desempenho da sua
atividade.
2- No que tange à possível violação o princípio da igualdade, previsto
no artigo 6º do Código do Procedimento Administrativo. De acordo com o presente
artigo, “Nas suas relações com os
particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da
igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer
direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo,
raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou
ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação
sexual.” Considera-se que a Administração Pública não atuou de forma
discriminatória, na medida em que a aptidão de todos os candidatos foi avaliada
igualmente, nomeadamente em função da sua capacidade de comunicação. Além
disso, é dado como facto provado que certos guardas florestais que efetivamente
não tinham uma dentição completa, usavam implantes dentários de modo a suprir
uma eventual dificuldade de comunicação.
3- Alega-se ainda, pelos autores, uma violação do princípio da
razoabilidade, previsto no artigo 8º do CPA. Como o presente artigo estatui,
“A Administração Pública deve tratar de forma
justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções
manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito,
nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações
próprias do exercício da função administrativa”. Quanto à primeira parte do presente artigo, em
função da avaliação feita pela testemunha Dra. Roberta Alves a todos os
candidatos, não se considera ter havido um tratamento injusto para com nenhum
dos candidatos, visto que todos foram avaliados de igual forma. Considera-se
que a interpretação do artigo 25º -B alínea d) do Estatuto dos Guardas
Florestais, se manifesta razoável na medida em que, como referido
anteriormente, apresenta-se necessário, dado a natureza da profissão de Guarda
Florestal, uma dentição que permita uma comunicação clara e compreensível.
4- Quanto à eventual violação do princípio da
imparcialidade, previsto pelo artigo 9º do Código do Procedimento
Administrativo. De acordo com o presente artigo, “A Administração Pública
deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação,
designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses
relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e
procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à
confiança nessa isenção”. Considera-se que, tendo em conta que todos os
candidatos foram avaliados por especialistas de forma transversal e igual, a
Administração considerou todos os interesses relevantes no contexto decisório,
na medida em que a avaliação da aptidão física se revela um mecanismo de defesa
da segurança pública.
6.
Da possibilidade de suspeição
No que toca ao potencial caso de suspeição
relativamente à interferência no processo decisório do Secretário de Estado do
Ambiente e seu assessor, seu primo, considera-se que não está previsto nenhuma
das hipóteses expostas no artigo 73º do Código do Procedimento Administrativo,
pelo que não está em causa nenhum ato que viole o princípio da imparcialidade,
previsto no artigo 9º do mesmo diploma, nem se considera que tenha havido
interesses particulares de forma a manipular a contratação dos guardas
florestais.
II.
Decisão:
Nestes termos, e com
fundamento no supraexposto, julga-se procedente a ação interposta pelos autores
relativamente aos pedidos de nulidade ii) Da abertura do concurso
extraordinário para a categoria de guarda florestal, com fundamento de
ilegalidade pelos vícios supra-referidos, iv)
Da decisão de exclusão da candidatura de Manuel Sabichão e v) Do processo de decisão de atribuição das
cinco (5) vagas para a categoria de guarda florestal.
Acordam neste Tribunal, de um voto
6-1, a impugnação do concurso extraordinário de guardas florestais.
III.
Voto
de vencido
Tomás
Varandas
Acordou-se neste Tribunal
a procedência parcial da ação dos autores A e B sobre a Administração pela
invalidade de um concurso público de contratação. Aquando da feitura da
sentença concordámos inteiramente com a posição adotada por este Coletivo, no
entanto, discordamos totalmente da decisão final e, para nós, a improcedência
da ação dos autores releva um desprezo enorme pelas regras impostas pela nossa
sociedade. A nossa contribuição para a decisão final relativa aos princípios e
aos critérios de acesso ao concurso (vide o nosso “Dos requisitos do concurso”)
procura dar aos colegas a nossa visão sobre qual o caminho a seguir neste caso.
É, no entanto, com profundo pesar, que o restante do Coletivo não perfilhou
desta opinião pelo que, de resto, aqui apresenta-se a nossa contestação ao
resto da sentença.
A
Alegavam os autores que o
ato de delegação de poderes era ferido por vício de forma por preterição da
formal legal (artigo 47º nº2). Do artigo 159º do CPA resulta que se exige que a
forma do ato de delegação de poderes deva constar na publicação oficial da entidade
pública ou no Diário da República.
Num nível meramente
probatório e testemunhal, ficou provado que não foi, de facto, publicitado no
Diário da República. No entanto, as testemunhas apresentadas
contra-argumentaram que, de facto, o ato tinha sido publicitado, sem nunca
terem explicitado onde. Ora, do artigo em consideração resulta que a
publicitação do ato é condição essencial para validade do ato e, para nós, o
artigo 159º do CPA dá duas maneiras: forma do Diário da República ou forma da
publicação oficial. Verificamos a última e, para nós, o ato é válido nestes
moldes e considera-se imprudente que as partes venham alegar que o ato não foi
publicitado quando uma das testemunhas em fase de inquérito admitiu sob
juramento que o ato de facto foi publicitado, ainda que sem mencionar aonde.
Apreciamos, assim,
favoravelmente a ação da Administração.
B
Da competência do
Ministro do Ambiente alegou-se que este possuía nenhuma para a delegação de
poderes relativos à abertura do certame. Do artigo 16º nº 4 do Decreto-lei
nº251-A/2015 resulta que o Ministro da Administração Interna exerce as suas
competências em conjunto com as do Ministro do Ambiente e do seu número 1 que
tem como missão executar e avaliar as políticas de segurança interna. Por esta
via, notamos que, de facto, em causa poderia estar um princípio de
inter-coordenação entre os serviços do Governo. Mas tal não está em causa. Do
artigo 26º nº1 do mesmo decreto-lei, resulta que o Ministro do Ambiente tem por
missão a “conservação da natureza”. Ainda da Lei orgânica do Ministério do
Ambiente, do seu artigo 2º alínea e), resulta que o Ministério do Ambiente deve
procurar a proteção da saúde pública e promover ações de prevenção e avaliação
sistémica sobre o impacto que a atividade humana tem no ambiente. Parece-nos
que, de facto, um dos maiores problemas dos incêndios prende-se com a atividade
humana descuidada e, parece que, de facto, o Ministério do Ambiente deva ter um
parecer sobre a contratação de guardas florestais que contribuem para este tipo
de atividade. No entanto, não deixamos de discordar que, destes argumentos gera
uma imprudência. Em nenhum lugar da lei resulta que o Ministro do Ambiente ou o
Ministro da Administração Interna possam abrir este concurso e estipular quais
os seus conteúdos.
Do artigo 3º nº3 do
Decreto-lei 111/98 resulta que é o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento
Rural e das Pescas quem tem competência para abrir este processo conjuntamente
com o Ministro da Administração Interna.
Deste ponto perfilha-se,
de facto, da posição do Coletivo. Assim, consideramos que há um caso de
incompetência relativa e neste aspeto não discordamos. Apenas discordamos é da
argumentação e do resultado final que será, pelo artigo 163º nº5 alínea c)
pois, é da nossa opinião que, mesmo sem este vício, o ato de abertura do
concurso teria tido o mesmo conteúdo e neste ponto não temos qualquer dúvida.
Nestes termos, o ato seria, para nós, anulável e, como nenhuma das partes veio
a pretender a impugnação contenciosa deste ato em sede de declaração de
anulabilidade, para nós, o ato manter-se-ia com os seus efeitos (sendo ainda de
relevar a urgência em abrir o concurso). Mesmo que a anulabilidade fosse declarada,
esta ainda seria passível de conversão nos termos do artigo 164º e manter-se-ia
mesmo assim.
C
Da questão da prova de
conhecimentos do qual foi excluído o autor B, não partimos de quaisquer
argumentos jurídicos, mas de argumentos lógicos. É do nosso entender que, sim,
de facto, foi comprovado em sede de inquérito que um guarda florestal não
pressupõe que tenha um grande conhecimento do Direito, mas, como um oficial,
incumbe ao guarda florestal um dever de conhecimento do Direito mais aprofundado
do que a um cidadão médio e, por isso, não nos surpreende que possa haver uma
pergunta precisamente sobre este assunto. Relativamente à dificuldade
suscitada, aí é que poderia haver motivo para dúvidas, mas, nesse caso,
mantemo-nos com o que defendemos supra (vide a nossa defensa de respeito dos
princípios da atividade Administrativa neste ato) e defendemos que aí,
estritamente, cumpre-se os pressupostos de avaliação técnica exigível pelo
certame.
Aliás, indo por
uma lógica de aceitação do contrário implicaria admitir que se os exames de
acesso à Ordem dos Advogados fossem muito difíceis ou tivessem matéria que os
candidatos não tivessem estudado muito detalhadamente, seriam impugnáveis por
violarem princípios de atividade administrativa. Reconhecer a validade de tais
argumentos poria certamente em causa a validade de qualquer concurso de
contratação pública e tal não pode ser admissível.
D
Defendemos, assim, que a
impugnação do concurso extraordinário é improcedente e, para nós, o concurso de
contratação respeitou os efeitos atribuídos por lei e é neste sentido que
votámos a favor da impugnação do recurso dos autores e damos razão à
Administração.
Lisboa, 16 de Maio de 2019
Os
juízes de Direito,
Ana
Rita Guerra Alves nº 140117105
Maria
Beatriz Carmo nº 140117127
Maria
Rosário Soares nº140117064
Maria
Rosário Alves nº140117054
Rodrigo
Viegas nº 140117077
Tomás
Varandas nº140117051
Neus
Martins nº 140117097
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